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O dia que Arádia nos deixou
Posted by Diana Magnavita
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07:05
Seus olhos, antes brilhantes, estavam opacos e o cenho, sua marquinha registrada, mostrava sua dúvida. Ela tinha pavor em seus olhos, queria que lhe explicassm o que estava acontecendo, mas nada seria dito. Eu chorava em prantos e ela não entendia, ou melhor, eles pensavam que ela não entendia, mas eu sabia que ela sentia o mesmo que eu: Esse é o nosso último encontro em vida. Se existe vida após a morte, nós um dia vamos correr na praia e nadar, como jamais conseguimos fazer corretamente, brincar na areia, cavar, brincar de bola e nossos abraços matinais. Ao vê-la naquele estado lembrei de "Marley e eu", tão parecidos, em rebeldia, em sua inocência infantil e agora, estava eu lá, diante de uma maca com a minha grande-pequena Arádia desesperada por não conseguir mover as patas traseiras, que a fazia se arrastar, como uma morsa. Era tão triste, não só para mim, mas para minha família, meus amigos e vizinhos, todos que um dia a viram ativa e saudável e sabiam a dedicação e cuidado que nós sempre tivemos por ela.
Arádia é nome de Deusa, a deusa das bruxas, filha de Diana. Nome forte para um labrador dourado, de olhos verdes, fucinho e cílios claros, diferente dos demais animais da raça. Isso ocorreu porque ela era albina, ela mereceu o nome que teve! Era forte, rebelde e não queria ser um "pau mandado", ela queria reinar, brincar quando lhe sentisse necessário, carinho quando o quisesse. era independente e companheira, carinhosa e destemida. O melhor cachorro do mundo! Ela não era um cachorro, se o fosse saberia disfarçar perfeitamente, era gente. Ela entendia o que falávamos, ela sentia o que sentíamos e ela via nossa tristeza sem precisar dizer e nos consolava sem palavras.
Ela, como todos em minha casa, amava música. gostava que eu cantasse para ela ou deixasse o som ligado e ela sempre ficava bem próximo, ouvindo as canções e pedia para mudar quando não gostava, latia, rosnava...
Sem dúvidas, sua alegria e personalidade amistosa cativava e encantava a todos em sua volta. Como um animal grande poderia ser tão dócil e simpático? Ela era doce, não merecia morrer assim. Morreu jovem, com cinco anos e meio, um tumor entre vértebras lombares esmagou sua coluna a deixando paralítica e nós, meros mortais, não soubemos perceber, porque o maldito tumor agia em silêncio e quando o foi perceptivo era tarde demais.
Aquela sala fria, aquele lugar estranho, ela passou dois longos dias, naquela clínica sob cuidados especiais. Foi bem cuidada pelos médicos e enfermeiros, imagino eu. No terceiro dia foi o que chamo de tristeza súbita, a certeza de que tudo terminaria ali, naquele momento. Comprovado, através de uma tomografia que ela estava com poucos dias de vida e em sofrimento. Sofrimento longe da família, sofrimento pela dor, pelo frio e por ter perdido o dinamismo, devido a impossibilidade de apoiar as patas traseiras. Essa era Arádia apática e sem brilho nos olhos, olhos vermelhos, lamentosos, clamando por piedade, aquela movimentação de médicos e enfermeiros na sala e nós em prantos a preocupava, a aflingia. Ela seria sacrificada e sabia disso. eu a abraçava enquanto ela lambia meu rosto, como se quisesse limpar minhas lágrimas, evitar que eu sofresse, mas era impossível arrancar essa dor de dentro de mim. Ela permanecia inquieta e só permaneceu mais calma quando eu, minha mãe e meu pai rodeamos a maca e ficamos perto dela até que entrasse em seu sono profundo. Falei para ela dos campos verdes, do sol brilhante, da praia linda que a esperava do outro lado, semelhante a ilha que ela tanto amava e tão pouco pôde desfrutar. Lembrei de quando arrumávamos as malas para ir para a ilha e ela gritava, latia, de alegria, ela sabia que iria viajar e ao nmesmo tempo ficava nervosa com medo de ser deixada para trás. Ela sorria e brilhava no sol da ilha, no seu quintalzinho, na sua vidinha sustentada por uma estrutura forte e ao mesmo tempo frágil.
Em suas veias, já flácidas, permeava o diazepan para adormecer e encontrar um caminho mais tranquilo para encontrar o outro lado, o lado onde, talvez um dia nos reencontraremos. Não sei se acredito em reino de mortos, céu ou inferno, paraíso, mas eu precisava dizer que ela não estaria sozinha, que algum dia nós estaremos juntas de novo, que meu avô, minha poodle She-ha, ambos vítimas do câncer e o meu pequenino labrador Shagrath, vítima de cinomose, a recepcionaria e cuidariam dela quando chegasse no lugar que chamei de "Lugar onde o sol brilha mais forte e as gramas são mais verdes" e eu tentei cantar baixinho, enquanto ela mordia minhas mãos. Ela parecia tentar dizer alguma coisa com aquelas mordidas, mas eu não sei exatamente o que, mas possuo suposições. Ela entrou em sono profundo e eu me retirei da sala, onde seria aplicado a anestesia letal, o seu sono sem fim, algo que a lei do eterno retorno de Nietzsche não se aplica.